Espírito crente, compositor, organista e professor, Olivier Messiaen teve uma influência capital no pós-guerra, abrindo caminho à vanguarda de então, a de Boulez ou Stockhausen. Foi também ornitologista - o canto dos pássaros apaixonava-o.
Nascido a 10 de Dezembro em Avignon em 1908, o futuro compositor teve um primeiro impacto com a descoberta de Pélleas et Mélisande de Debussy. Organista, foi nomeado aos 22 anos titular da Igreja da Trinité em Paris, posto que ocupou até à morte, mais de seis décadas passadas, em Abril de 1992. La Nativité du Seigneur e Les Corps Glorieux, duas obras para órgão, são aliás das mais destacadas entre as compostas ainda antes da Guerra. Uma guerra que Messiaen iria viver de perto. Mobilizado, capturado, seria no campo de prisioneiros de guerra de Gorlitz que ele comporia o extraordinário Quator pour la fin du Temps, estreado em condições inauditas nesse mesmo Stalag VIII-A. Espírito imensamente curioso, Messiaen dedicou-se sistematicamente à ornitologia, transcrevendo centenas de cantos de pássaros, que muitas vezes constituíram indicações para obras musicais, como o extraordinário Catalogue des oiseaux para piano ou os Oiseaux exotiques para orquestra. Espírito religioso, Messiaen compôs numerosíssimas obras de referência cristã, como L’Ascension, Les Couleurs de la Cité Céleste, Et Expecto Resurectionem Mortuorum para orquestra (no ultimo caso apenas sopros e percussão), a oratória La transfiguration de Nôtre Seigneur Jésus-Christ para coro e orquestra; as Visions de l’Amen ou Les Vingt Regards Sur L’Enfant Jésus para piano, culminando numa ópera em torno da figura de quem o seu panteísmo estaria mais próximo, Saint François de Assise. Os sons, as cores, as paisagens, aquilo que para ele seria a dádiva de Deus aos homens, desfrutou-as Messiaen em muitas paragens. Aos ecos transfigurados dos cantos dos pássaros, associaram-se variadíssimos elementos provenientes de músicas extra-europeias. Os sons dos “gagakus” do Japão, dos gamelãos de Bali, dos gongues dos Tibetes reapareceram nas suas obras. A influência extra-europeia, por exemplo das métricas indianas, tornou-se notória nas gamas e nas estruturas rítmicas das suas obras. Foi precisamente num dos Quatro Estudos de Ritmo, para piano, designado por Modo de Valores e Intensidades, que Messiaen formulou uma possibilidade de organização dos parâmetros musicais que viria a ser absolutamente crucial para a conceptualização serial de Boulez ou Stockhausen – ele próprio achando, todavia, de todo desproporcionada a influência imensa dessa peça. Para esses compositors e para outros (Xenakis, por exemplo), Messiaen foi “o mestre”, nas suas obras e no seu ensino, designadamente nas classes de harmonia e análise no Conservatório de Paris. Dizia: “O papel de um professor é o de encontrar a via que o seu aluno deve seguir e não a de ensinar o que ele próprio faz. Na minha aula fiz sempre abstracção dos meus próprios gostos, a fim de mostrar aos alunos tudo o que podia existir, não apenas na música clássica, mas também na música antiga ou exótica como na música moderna ou ultra-moderna. Tudo lhes mostrei, mas sobretudo procurei para cada um o que poderia ser a sua própria via, mesmo quando o músico que eu sou não acreditava nesta ou naquela orientação. Escrevi o que amava, mas nunca impus os meus amores aos meus alunos”. Religioso, panteísta, curioso, Messiaen revelou-se musicalmente um mestre incomparável da cor. Obras como a Turangalîla-Symphonie, Des Canyons aux étoiles ou Chronochromie são magistrais exposições das possibilidades tímbricas de uma orquestra sinfónica. A primeira é uma das obras dos últimos sessenta anos mais regularmente tocadas e gravadas. Mas também as obras para piano ou para órgão apelam aos instrumentistas, Messiaen sendo certamente um dos autores contemporâneos mais amado por intérpretes, entre os quais ocupou lugar particular a sua esposa, a pianista Yvonne Loriod. A sua última obra, Éclairs sur L’Au-Delá é outra visão da transcêndencia, de que Messiaen não obstante procurava também os concretos indícios terrenos como no canto dos pássaros. Oliver Messiaen foi uma das figuras musicais mais singulars e importantes do século XX, absolutamente capital mesmo.
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